segunda-feira, 29 de maio de 2017

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VIAS

     Vias expressas, vias públicas, vias preferenciais. Todas lotadas. Todos se matando para passar. Para não se atrasar. Para fugir da vida calma e tranquila, e vivê-la de um jeito apressado, corrido, afobado. As brigas começam a surgir, um empurra o outro, sem intenção de se machucar, um dos dois interpreta mal e começa a luta pelo lugar no vagão do trem. O mesmo nas ruas com os carros buzinando e nos pontos de ônibus com os passageiros correndo, se enfileirando para garantir seu lugar.
     Tudo ganha uma nova proporção. Pessoas que andam e veem, mas não observam nada. Apenas caminham em direção ao seu destino, no modo automático, com olhos quase sem sentimentos, neutros. Talvez, não seja a intenção dessas pessoas se isolar do mundo, ou talvez nem percebam que o fazem. Não se olham, não se cumprimentam, em raros casos, andando juntas, conversam com suas crianças (cujas quais, mais tarde perderão também sua imaginação, seu desejo pelo novo).
     Suas roupas, cinzas, com as vezes leves tons de azul ou verde, mesclam com as cores da cidade, da fumaça, da poluição, do mar de concreto em que vivemos.
     Algumas vezes, raras, se vê, um ponto colorido, uma pessoa não consumida pela vida metropolitana, olhando todos com olhar de piedade e perdão. "Soubessem elas presas em suas roupas cinzas, o que perdem da vida", pensam eles. É aquela nossa esperança, a arte. Um ponto maior, que tenta, ao menos temporariamente, acalmar essas pessoas. Talvez até "filtra-las" de suas próprias cinzas. 
     As pessoas, humanos. Talvez, nem humanos sejamos mais. O que somos?

 Somos partes da cidade, somos vias.

segunda-feira, 15 de maio de 2017

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        Quando subi no ônibus mal pude crer no que vi. De novo um palhaço (literalmente). De novo um palhaço no ônibus entregando panfletos com fotos bregas de gatinhos contendo frases nada a ver. Depois de entregar os cartões, ele começou a fazer seu discurso que daria para ir pra casa a pé e ainda chegar antes de ele terminar o discurso. Mas como já havia subido no ônibus, teria que esperar até que ele terminasse. Durante seu longo discurso, era possível ver em seus olhos o cansaço de um dia inteiro entregando aqueles cartões que até ele achava que eram bregas. Em sua fala era possível ouvir o tom de obrigação de falar aquelas palavras como se quem o mandara lá o estivesse ouvindo, e ainda tinham as pausas suspiradas no discurso indicando o tédio de ter que repetir aquilo dezenas de vezes por dia e ainda ganhar quase nada de salário.
        A esse ponto já havia me sentado no banco alto em cima da roda do ônibus. Mesmo eu estando cansada, conseguia ver o vazio nos olhos do verdadeiro palhaço infeliz. Para tentar incentivar as pessoas ele ainda contou uma ou duas piadas, das quais ninguém riu, pois eram ofuscadas pelas buzinas da cidade.
        Ele terminou o seu discurso. O ônibus já estava na metade do caminho para casa. O moço de cara pintada arrastou seus sapatos grandes e vermelhos pelo ônibus até a cadeira vazia mais próxima. Logo em seguida se levantou, pois havia esquecido de recolher os cartões. Com dó comprei o menos brega e desejei-lhe boa sorte.
        O ônibus chegou no meu ponto, eu dei uma última olhada nele, o cansaço já o havia consumido e seus olhos estavam cerrados.
        Eu desci os dois degraus para a calçada, a porta se fechou e o ônibus partiu.

segunda-feira, 8 de maio de 2017

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        Todos os dias meu vizinho saia na recepção do prédio às 10h42 da manhã. Eu sabia disso, pois era nesse horário que eu ficava sentada na calçada da rua particular olhando os carros passarem na avenida. Ele era um velhinho e sempre me cumprimentava, sentava e olhava os carros um pouco comigo, conversava e depois se levantava, pegava a correspondência e subia para seu apartamento. Eu também sabia que ele morava no 23° andar pois eu olhava em que andar o elevador parava.
        Certo dia ele não desceu para pegar as correspondências. Quando eram 10:47, achei que ele podia estar apenas atrasado, mas quando o relógio virou 11h eu sabia que alguma coisa estava errada. Então peguei o elevador e em vez de apertar o botão para o 27° andar (meu andar), eu apertei para ir ao 23°.
        O nome dele era Marton e embora eu soubesse em que andar ele morava, eu não sabia se era no apartamento 231 ou 232.
        Então eu bati no 232 e uma mulher atendeu. Eu perguntei se o Sr. Marton morava lá e ela respondeu que sim, mas que ele estava viajando. Eu suspirei de alívio. A moça perguntou se eu era a criança com quem ele conversava e olhava os carros às 10h42 e eu respondi que sim, é claro. A mulher se chamava Carolina, e era a filha de Marton.
        Uma semana depois, seu Marton voltou e eme contou tudo sobre a sua super viagem à Amazônia, enquanto olhávamos os carros na avenida Ipiranga.

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Como Olhar-te Como achar uma verdade em infinitas mentiras? Como enxergar uma verdade com tantos obstáculos na frente? Como olhar em teus ...